O presidente da Caixa Econômica Federal, Nelson Antonio de Souza, afirma que o banco "não tem interesse em ficar tirando participação de mercado no crédito dos bancos privados". Para ele, a Caixa tem atuado de forma competente no crédito rural e qualquer eventual reexame da adequação dessa estratégia deveria ser feita pelo governo de forma mais ampla, considerando também o desempenho do Banco do Brasil no crédito imobiliário.
Há três meses no cargo, Souza disse, em entrevista ao Valor, que o capital da Caixa é suficiente para o banco crescer até 4% neste ano e, dados os níveis de rentabilidade mais recentes, haveria espaço para "dar inclusive uma alavancada" no ano que vem.
Ainda assim, diz ele, o banco está atuando em várias frentes para fortalecer a estrutura de capital: negociando com o Tesouro para receber de volta parte dos dividendos distribuídos; negociando com o grupo francês CNP um ágio para uma extensão de 20 anos do acesso ao balcão nos seguros, previdência, vida e prestamista; e vendendo imóveis em carteira por meio de leilão. Sobre essa oferta pública, disse que há interessados, e sinaliza que não deverá mudar a taxa de desconto prevista no edital.
Depois do esvaziamento do leilão da Lotex, a empresa de loterias utilizada pelo governo para fazer a concessão do setor, a Caixa participa de discussões com o governo sobre o modelo a ser adotado. Se houver alteração às restrições à participação da Caixa, o banco teria interesse em avaliar o negócio, seja na atuação direta ou por meio de participação com eventuais sócios privados.
O presidente da Caixa diz ainda que o banco abriu apurações sobre as irregularidades citadas pela empresa de auditoria no balanço e sobre as investigações do FI-FGTS, o fundo de investimento em infraestrutura, que estão avançadas. No caso do FI-FGTS, não achou nenhum caso além do apontado por investigação policial. O conselho de administração do banco elegeu na última quinta os dois primeiros membros independentes do banco.
Valor: Qual é o tamanho ideal da Caixa?
Nelson Antonio de Souza: Fizemos o dever de casa para adequar o tamanho da Caixa às possibilidades de capital. Em 2017, tivemos um lucro considerável, de R$ 12,5 bilhões, que criou condição suficiente não para uma grande alavancagem de crédito, mas para crescer nossa carteira em até 4%. Temos o máximo cuidado de que qualquer crescimento seja feito dentro das regras de prudência. Entendemos que a Caixa tem dois grandes balanços, o social e o financeiro. Não abrimos mão de a Caixa dar resultados.
Valor: O ideal seria manter, reduzir ou aumentar a participação no mercado de crédito, hoje em 22%?
Souza: Entendemos que o mercado financeiro deve ter uma boa divisão entre público e privado. Também tem que ter uma certa pulverização do crédito. Hoje, podemos crescer 4% na carteira de crédito, mas não quer dizer que vamos crescer. Temos esse potencial. Da nossa carteira, praticamente 62% é formado de crédito imobiliário, que é o "core business" da Caixa. Uma carteira totalmente segura. Outra parte vem da consignação, que é outra carteira segura. Não temos esse interesse hoje de ficar tirando participação do setor privado para o setor público.
Valor: Como a Caixa vai manter o lucro se está crescendo mais na habitação popular, menos rentável, e reduzindo o crédito comercial?
Souza: Vamos começar a fazer o equilíbrio dessas duas carteiras. Para manter os resultados que queremos, temos que sim crescer um pouco na carteira comercial, mas de maneira responsável.
Valor: A Caixa voltará a fazer crédito com grandes empresas?
Souza: O crédito saudável é o que se pulveriza. Queremos emprestar principalmente na pessoa física, nas pequenas e médias empresas. Isso não quer dizer que não vamos fazer grandes empresas, mas esse não é o foco.
Valor: A perda de mercado no crédito imobiliário para classe média alta, por falta de capital, não é um problema?
Souza: Teve o aspecto do capital, mas teve outro detalhe ligado ao "mix" [de fontes de recursos]. Estávamos superaplicados em empréstimos feitos com recursos captados em poupança, tínhamos um volume grande captado em Letras de Crédito Imobiliário (LCI). A Caixa não tinha muita margem para a redução das taxas de juros. Mais recentemente, pudemos mudar esse "mix", reduzindo LCIs e aumentando poupança. Com isso, fizemos uma redução nas taxas de juros do crédito imobiliário em 1,25 ponto percentual em abril e voltamos de maneira competitiva para o mercado. Criamos uma empresa chamada Caixa Imóveis que tem como objetivo dar celeridade na originação do crédito imobiliário. Não é só uma plataforma de crédito. Queremos que todo o processo de contratação da habitação seja feita de maneira digital. É uma subsidiária, joint venture, faz sentido do ponto de vista de redução de custos, de celeridade na contratação do crédito.
Valor: Qual é o objetivo da Caixa em termos de participação de mercado no crédito imobiliário?
Souza: Continuamos mantendo a nossa liderança nessa carteira. Queremos, sim, avançar um pouco nessa carteira, reconquistar o espaço que já tivemos. Diria que não nos afastamos muito do que tínhamos. Não fomos líderes na aplicação em determinados meses, em outros a gente já começou a ser líder. Tivemos um crescimento substancial na carteira popular, na habitação, em especial no Minha Casa Minha Vida. A participação do crédito imobiliário em relação ao crédito total da Caixa saiu de 58% para 62%. Nossa participação também no crédito imobiliário total, em função da habitação social, cresceu de 66% para 69%, com viés de alta. No ano passado, aplicamos R$ 16,5 bilhões em habitação de mercado, para este ano já estamos sinalizando R$ 20 bilhões. Não queremos ter aqui grande participação nesse mercado, queremos ter a participação que já tivemos.
Valor: A Caixa tem capital para lastrear o crédito em 2019?
Souza: O lucro líquido do primeiro trimestre foi de R$ 3,2 bilhões, estamos com uma boa performance, temos um lucro líquido recorrente projetado de R$ 9 bilhões neste ano. Em conseguindo isso - estamos trabalhando forte - não teremos nenhum problema com relação a requerimentos de capital. Teríamos inclusive condições de dar uma pequena alavancada na carteira de crédito.
Valor: O Tesouro vai devolver para a Caixa a parcela mínima de 25% dos lucros distribuídos?
Souza: Há uma sinalização, sim, para que esses recursos possam voltar, por uma solicitação de maneira harmônica da direção da Caixa com a equipe econômica, em especial o conselho de administração. O Banco Central está acompanhando.
Valor: Voltariam à Caixa todos os lucros distribuídos?
Souza: É uma parte do valor, não precisa ser todo. Um valor significativo que possa dar um conforto de crescimento. Para não ter motivo de sufoco ou de dificuldade, para não ter que correr atrás dos requerimentos mínimos de capital.
Valor: O empréstimo de R$ 10 bilhões do FGTS para compor o capital pode ser retomado?
Souza: A operação está aprovada no FGTS até 31 de dezembro de 2018. Mas neste momento a Caixa não precisa, dentro do nosso planejamento. Ela está lá, se um dia precisar. Entendemos no nosso plano de negócio que o capital é perfeitamente adequado. Estudamos também bônus perpétuos, por exemplo, no mercado internacional, se tiver uma janela. Se necessário, mas também não vemos necessidade disso.
Valor: A Caixa pode almejar lucros como os bancos privados?
Souza: Antes de falar em lucro, o que está no radar é eficiência. Eficiência passa pelo lado econômico-financeiro e pela nossa identidade de ser um banco que executa as políticas sociais de governo. Sem abrir mão de nenhuma receita que cabe à Caixa.
Valor: Como estão as negociações com a CNP na área de seguridade? A Caixa vai receber um ágio para prorrogar em 20 anos o acesso ao balcão em seguros?
Souza: Estamos em tratativas, assinamos o memorando de entendimentos. Não assinamos ainda o contrato por 20 anos. Temos prazo até o segundo semestre.
Valor: A operação poderá fortalecer o capital da Caixa?
Souza: É um grande negócio para a Caixa, um ativo importante. Não iria diretamente para o capital. Tem tributos, no final participaria de um lucro, que seria incorporado no capital.
Valor: Como estão os planos da Caixa para vender carteiras de financiamento de investimento?
Souza: Estamos trabalhando, em fase final. Levamos todas as solicitações ao Tribunal de Contas da União (TCU), tendo em vista que houve aquela orientação de não-venda de carteira por um período. Mas o TCU já está examinando. Na hora que isso for resolvido, estaremos já prontos para a venda de carteira. Essa é uma prática normal de mercado, que todos os bancos fazem.
Valor: São carteiras ativas ou créditos inadimplentes?
Souza: Pode utilizar o crédito inadimplente, crédito em geral, tudo está sendo analisado. Os créditos baixados em prejuízo estamos focando na campanha "Quita Fácil" de arrecadação à vista. É uma campanha vitoriosa, os clientes têm aproveitado.
Valor: Quanto foi arrecadado na campanha?
Souza: É significativo, mas isso faz parte do planejamento interno.
Valor: Interessados no leilão de imóveis tem reclamado do baixo desconto previsto no edital. A Caixa pretende mudar isso?
Souza: Estamos sendo procurados bastante por investidores. A Caixa entende que lograremos êxito no edital. Estudamos bastante o edital, logicamente que sempre no futuro pode ter melhora continua, mas do ponto de vista de preço, temos consciência de ter estudado muito bem esse desconto.
Valor: Qual será o modelo de negócios da Caixa em cartões?
Souza: Estamos fazendo esse estudo. Temos vários modelos. No caso brasileiro, temos ótimas experiências de criação de empresas, de IPO e tudo mais. Mas não fechamos o nosso modelo. Mas isso está no nosso radar. Queremos fechar o entendimento da seguridade, e está na fila para que possamos trabalhar.
Valor: E os demais ramos de seguros que não estão contemplados nas negociações com a CNP?
Souza: Estamos vendo o que é melhor, se é entrar direto no mercado, por exemplo. Estamos indo por etapas. Fechamos a primeira etapa, que é de seguros prestamista, vida e previdência. Esses outros vamos ver se vamos fazer uma concorrência. Estamos com a assessoria do Credit Suisse, BB Investimento e Pinheiro Neto Advogados.
Valor: A Caixa poderá entrar na licitação de loterias depois que o leilão da Lotex foi vazio?
Souza: A equipe econômica está analisando isso tudo e não temos ainda decisão sobre os próximos passos que vamos ter.
Valor: A ideia é sensibilizar o governo para a Caixa poder participar do negócio?
Souza: Nossa ideia é tentar fazer o melhor modelo, pensando no país. Entendemos que a Caixa tem uma expertise muito grande e, quando se pensa em loterias, pensa-se em Caixa Econômica. Mas tem sido feito um estudo muito grande. Se a Caixa estiver no modelo a ser adotado, ou em parceria da Caixa com outros participantes, iremos.
Valor: A Caixa concluiu o ajuste de pessoal ou terá mais planos de demissão voluntária (PDV)?
Souza: Estamos hoje com 86,3 mil empregados. Fizemos um plano de desligamento com total respeito ao empregado e saíram aqueles que efetivamente gostariam de ter saído. Se necessário, nós faremos, até porque sempre estamos sendo demandados pelos empregados. Depois de um estudo grande, estamos também redimensionando a estrutura, vendo onde tem unidades operacionais com mais empregados, onde tem menos, para transferir para outros locais, sempre com respeito a esses profissionais.
Valor: Há algum PDV no horizonte?
Souza: Não, a não ser por pedido dos empregados.
Valor: O balanço da Caixa continua com ressalvas da auditoria por conta de investigações de corrupção. Como está o andamento das apurações e o que ocorreu com os responsáveis?
Souza: Todas as apurações foram feitas dentro do que reza a legislação. Está em fase final de apuração, e a Caixa tem adotado todas as providências junto a todos os órgãos de controle. A própria auditoria independente está aqui acompanhando de forma bem tranquila. Estamos lidando com um fato que ocorreu, a Caixa tem sido forte na apuração, mas sempre respeitando e dando todos os direitos para as pessoas fazerem as suas defesas.
Valor: Quando concluir o trabalho, terá impacto no balanço?
Souza: Não há expectativa de repercussão nas demonstrações financeiras. Na verdade, a ressalva vai na linha de controles internos, apuração para verificar a qualidade dos controles internos. Mas há o convencimento da administração da Caixa de que não há qualquer comprometimento das demonstrações, do ponto de vista dos números.
Valor: E do ponto de vista de punição, de demissão e governança?
Souza: A primeira coisa que houve foi um trabalho muito forte do conselho de administração e do conselho diretor da Caixa. Fizemos alterações estatutárias significativas na linha da governança. Aprovamos medidas de governança que pensamos ser as melhores, não só no Brasil, mas no mundo. A Caixa passou a ser uma empresa de ponta.
Valor: Por exemplo?
Souza: No próprio processo seletivo da diretoria, através de empresas especializadas, de "head hunters". Outro exemplo de governança está no crédito, quando solicitado o cliente pode acompanhar pela própria internet o fluxo desse crédito, em que fase está, onde está tramitando. O conselho de administração do banco elegeu os dois primeiros membros independentes.
Valor: Já tem exemplo de pessoas na alta direção que passaram por esse processo?
Souza: Temos diretores, passaram por esse processo. Superintendentes também. Agora estamos preparando para vice- presidentes.
Valor: Quem está hoje nos cargos de vice-presidente vai passar por esse processo?
Souza: O conselho de administração tem a competência para fazer essas indicações, essas seleções. A empresa seleciona, e a prerrogativa é do conselho de administração da Caixa aprovar.
Valor: Mas hoje os vice-presidentes são indicados por políticos, não por "head hunters". Quando muda o sistema?
Souza: Todas as pessoas que estão hoje são técnicos. A própria lei [das estatais] definiu que tem que ter critérios, tem que estar dentro daquele perfil da exigência do cargo. O que está mudando é a seleção, o início. Por exemplo, se almejo o cargo vou ter que concorrer, e nessa concorrência não tem indicação de A, B ou C. Você participa do processo. Temos algumas vice-presidências em que estão os interinos, que acredito que o conselho de administração possa estar trabalhando alguma coisa em relação a esse tema.
Valor: Uma expectativa é que o próprio presidente fosse submetido ao Banco Central, como ocorre com bancos privados. Seu sucessor será escolhido assim?
Souza: Não é prerrogativa nossa, a indicação é do conselho de administração. Mas ter os requisitos é fundamental, esse é um setor rebuscado, complexo.
Valor: Foi revelando um caso recente de suspeita de recebimento de propina para o FI-FGTS. Que providências formam tomadas nesse caso? Existem outros?
Souza: Em todas as denúncias, a Caixa toma as providências e faz os encaminhamentos necessários para os órgãos competentes. Todas.
Valor: Nesse caso, teve algum desdobramento concreto?
Souza: Esse caso já existia [um procedimento] dentro da Caixa, só continuou o andamento dele.
Valor: Tem outros casos além desse no FI-FGTS?
Souza: Desconheço.
Valor: Como a Caixa está lidando com as auditorias do TCU que pedem provisionamentos de crédito para grandes empresas e questiona os critérios de empréstimos?
Souza: Já somos bastante conservadores do ponto de vista de provisão. Qualquer indício, e já provisionamos o suficiente para que a empresa fique cada vez mais sólida. Nós, com relação aos órgãos de controle, sempre trabalhamos, e isso é uma prioridade. Não há nenhum apontamento no que tange a provisão. Somos muito conservadores. Temos um índice de cobertura próximo a 200%.
Valor: Faz sentido a Caixa operar em crédito agrícola?
Souza: Na realidade, a Caixa está sendo competente no crédito agrícola. Do ponto de vista estratégico, teria que ser analisado de maneira mais ampla, a Caixa no agrícola e o Banco do Brasil no imobiliário. Mas isso não é uma análise que caiba à Caixa. Estrategicamente, diria que cabe uma visita, analisar não só o rural, mas o imobiliário, já que são bancos de governo. Analisar se estão devidamente adequados, se aquele crédito ou produto não poderia ser melhor desenvolvido.