Por Gustavo Calazans
Não é raro alguém me perguntar se uma determinada alteração imaginada para a sua casa manterá o valor do imóvel intocado, ou se a valorização de mercado será compatível com o investimento feito. Acho completamente lícito que se avalie o famoso custo-benefício das intervenções, uma vez que tudo nesse mundão é limitado: recursos, tempo, disposição, paciência, e por aí vai. Por outro lado, sempre penso como seria possível a comparação de algo que tenha por objetivo maior uma satisfação existencial, com algo que seja mensurado por valores regulados por um mercado, nesse caso o imobiliário.
Quando escolhemos um espaço para ser nossa casa e quando temos a oportunidade de definir parâmetros de como ele será, quer seja fazendo uma reforma ‘fim dos tempos’ ou pequenas adaptações, é como se um portal se abrisse: nos tornamos um pouco deuses, criando condições materiais que se adaptem às nossas necessidades. Essa é, afinal de contas, boa parte da magia do termo projetar. Gosto de pensar na analogia com o projetor de cinema, que reproduz uma imagem para a frente, um bom símbolo do conceito de projeto. Algo que se direciona para o futuro, na tentativa de antecipar soluções físicas que possam se acomodar às demandas atuais e futuras. Projetar é tentar apreender a realidade daquilo que virá a ser.
Nesse sentido, projetar é, de certa forma, uma aposta. Brinco sempre que é equivalente a um jogo de dardos onde, obviamente, tudo o que se quer é acertar no alvo. Mentiria se dissesse que todos terão uma pontaria certeira. Nenhum de nós está livre dos riscos de cometermos equívocos e o terreno da arquitetura é acidentado. Bons profissionais no geral são bons jogadores de dardos. Têm grande prática e, portanto, maior probabilidade de acertos. O mesmo vale para qualquer um que mantenha uma boa conexão com seus propósitos, anseios e limites. Se conhecer, nesse caso, é uma grande chave para o sucesso – e vale dizer que isso se aplica mesmo para clientes sendo atendidos por profissionais: quanto melhor vocês se conhecerem e conseguirem se expor, maiores a chances de que tenham como resultado desse processo lindo de criação, um lar autêntico.
O mercado imobiliário se comporta de forma análoga ao mercado financeiro, e as valorizações e desvalorizações giram em torno do que a maioria considera atraente. Ele não dá a mínima para lares, muito menos se preocupa que esses sejam autênticos. O interesse do mercado é vender, seja lá o que for, e para quem for. Imóveis para a ‘família do comercial de TV’ – aqui nota-se o meu caráter analógico, mas os comerciais seguem no mundo virtual, não? – proliferam-se pela cidade, e a tal família média, que praticamente inexiste, segue sendo a única a ser atendida. Qual seria essa composição tida como padrão da nossa época? A simples possibilidade dessa pergunta já me dá calafrios, tamanha a redução a que se propõe.
Sair dos ditames de uma época e das normas impostas à maioria não é tarefa fácil. As pressões são muitas para que gostemos do que gostamos, e desejemos o que desejamos. Dessa forma, se a cada especificidade que nos faça únicos nós formos nos cobrar coerência com as regras de mercado, posso lhes garantir que como resultado teremos, no máximo, um cenário de novela sem alma e sem graça. O que faz dos nossos lares experiências ricas de viver é justamente aquilo que os torna particulares. E aquela decisão que possa parecer esdruxula para sua mãe, sua tia ou sua vizinha, certamente vai ser muito admirada por outro alguém nessa vastidão desse planeta. Lar exige escolhas pessoais, é disso que ele é feito. E o repertório de trocas que podemos almejar para nossos lares em nada se parece com qualquer troca proposta por qualquer mercado.