Depois de encolher junto com o mercado imobiliário, o Bradesco volta a acelerar no crédito ao setor. O banco prevê conceder, neste ano, R$ 14 bilhões em financiamentos à venda e construção de imóveis, patamar que não alcançava desde 2014.
Uma melhora na demanda desde os últimos meses do ano passado ajudou, mas o Bradesco também conseguiu ganhar participação de mercado, avançando principalmente sobre a Caixa. Em junho e julho, o banco da Cidade de Deus atingiu uma inédita liderança nos financiamentos imobiliários com recursos da poupança, segundo dados da Abecip (associação das empresas do setor) obtidos pelo Valor.
Nos sete primeiros meses do ano, o Bradesco concedeu R$ 8,08 bilhões em crédito imobiliário, seguido pela Caixa (R$ 6,28 bilhões) e pelo Santander (R$ 6,05 bilhões). O mercado como um todo movimentou R$ 30,2 bilhões, alta de 21,9% em relação ao mesmo período do ano passado.
A estimativa da Abecip é que os financiamentos imobiliários com recursos da poupança totalizem R$ 50 bilhões em 2018. O número representa um crescimento de 16% em relação ao ano passado, mas ainda é menos que a metade dos R$ 112,9 bilhões concedidos pelos bancos em 2014.
Se as perspectivas do Bradesco se confirmarem, a fatia da instituição nesse mercado terá subido de 13% para 28% em quatro anos. Além da desaceleração da Caixa, historicamente líder do setor, o crescimento decorre de uma série de mudanças na área.
Com a demanda fraca em meio à crise, o Bradesco digitalizou e simplificou processos, reforçou a equipe e ajustou o foco de atuação. "Com as mudanças, a gente pegou ritmo e passou confiança para quem vende na ponta", afirma Eurico Fabri, vice-presidente executivo.
A instituição cortou a menos da metade a quantidade de documentos exigidos e boa parte do processo, exceto a assinatura do contrato, pode ser feita de forma digital. Paralelamente, questões mais operacionais deixaram de ser conduzidas internamente. Em vez disso, o Bradesco fechou parceria com quatro empresas que auxiliam os clientes com os trâmites da documentação da avaliação do imóvel em diante. "Agora focamos especificamente no crédito", diz Fabri.
Com as medidas, o prazo médio para liberação dos recursos foi reduzido em 24%, e hoje se dá em cerca de 20 dias úteis. Até o fim do ano, o banco lançará o processo digital de ponta a ponta, o que deve encurtar ainda mais esse tempo.
"Crédito imobiliário tem um componente emocional muito forte. É preciso tirar as dores do processo", afirma Romero de Albuquerque, diretor do banco.
Na outra ponta, o banco criou o que chama de "mapa de oportunidades" - uma base de dados que leva em conta o ciclo de vida dos clientes, quais já têm imóveis e as regiões mais aquecidas. A ideia é que os gerentes tenham informações mais detalhadas para melhorar a abordagem de vendas.
O Bradesco também montou 58 escritórios especializados em crédito imobiliário, distribuídos pelo país. Em paralelo, tem promovido eventos com imobiliárias e incorporadoras para tentar fomentar o mercado de construção, que continua retraído, e capturar projetos. Na média, houve mais de um encontro por dia no primeiro semestre.
"No fundo, estamos tentando unir as pontas entre pessoa física e pessoa jurídica", afirma Fabri.
A demanda das famílias por financiamento imobiliário tem crescido em ritmo bem mais forte que a das empresas do setor. Ao mesmo tempo, os bancos continuam muito seletivos no crédito a construtoras e incorporadoras depois do tombo que levaram na crise com os chamados distratos (devolução de imóveis).
Dos R$ 14 bilhões que o Bradesco pretende financiar neste ano, 75% se referem a operações com pessoas físicas. É uma situação bem diferente da que se viu em 2014, quando as liberações de crédito do banco foram divididas quase meio a meio entre famílias e empresas.
Embora a demanda das construtoras por crédito continue fraca, o Bradesco está presente em "mais de mil canteiros de obra", segundo Leandro Diniz, diretor de empréstimos e financiamentos do banco. "Estamos prontos, é questão de o mercado voltar", afirma.
De acordo com o executivo, a flexibilização do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), anunciada no mês passado pelo Banco Central (BC), vai ajudar. "As medidas estimulam os bancos a irrigarem o mercado com mais dinheiro para financiar o próximo ciclo", diz Antonio Barbosa, superintendente do banco.
As mudanças na área de crédito imobiliário do Bradesco tiveram início há dois anos e meio, no auge da crise. A maior parte da reformulação já foi feita, mas restam alguns passos - casos da contratação digital completa para celulares e internet banking e do lançamento de uma plataforma que vai permitir aos gerentes enxergar o fluxo todo num só lugar.
O banco aproveitou a retração para reorganizar a casa, o que incluiu também melhorias na modelagem de crédito. Criou ratings específicos e aprimorou os mecanismos de recuperação. Nas operações com pessoas jurídicas, reforçou o controle de garantias, dando peso maior aos recebíveis. Para isso, contratou uma empresa que ajuda a fazer o acompanhamento do fluxo de caixa dos projetos. "Estoque já não é tão importante na análise. Estoque é bom se tiver liquidez", afirma Albuquerque.