Minha Casa Minha VidaDe olho em um mercado mais resiliente à crise, grandes incorporadoras com tradição em imóveis de médio e alto padrão se lançam à habitação popular.
 
A Cyrela, segunda maior companhia do setor em valor de mercado listada na Bolsa, anunciou seu retorno ao segmento com empreendimentos próprios após seis anos afastada.
 
A incorporadora acaba de criar a Vivaz, braço do grupo para atuar no Minha Casa Minha Vida (MCMV) com apartamentos de até R$ 240 mil.
 
O primeiro lançamento é em Itaquera (zona leste de São Paulo). Há mais um projeto previsto para sair até o início de 2019 na zona norte e um terceiro, também para o começo do próximo ano, em Taboão da Serra, na região metropolitana da capital.
 
A Eztec, terceira maior na Bolsa, criou uma nova marca, a Fit Casa, para lançar neste mês seu primeiro empreendimento enquadrado no MCMV, no Brás (região central de São Paulo).
 
"Adquirimos o terreno em 2015. Imaginamos que seria um produto para atrair público para o centro. Com a economia em desaceleração, mas ainda muita força nas vendas do Minha Casa Minha Vida, decidimos destinar a área para esse segmento [popular]", diz Emilio Fugazza, diretor financeiro e de relações com investidores da Eztec.
 
Embora a construção apresente grande dificuldade para sair da crise, o segmento para baixa renda se mostra resiliente porque tem uma demanda consistente —clientes que buscam a primeira moradia em meio a um déficit habitacional ainda muito alto—, além de condições de financiamento facilitadas e com taxas menores.
 
Os últimos dados da Abrainc (associação das incorporadoras) mostram que, no acumulado de um ano até julho, as vendas de unidades de médio e alto padrão caíram 0,5% em relação aos 12 meses anteriores, enquanto no MCMV subiram 24,3%.
 
Além disso, projetos econômicos podem dar maior fluidez ao caixa das construtoras. Com uma série de padronizações, a construção desses empreendimentos tende a ser mais ágil, acelerando o giro de capital da empresa. E, como o comprador do imóvel é repassado imediatamente para o banco, a taxa de distrato (cancelamento de contrato) é praticamente zero.
 
"A gente sempre olhou para esse segmento [popular]. Ao longo do tempo, analisamos se de fato era sustentável e veio para ficar ou se era algo passageiro. Entendemos que é uma tendência que deve durar, passamos a perceber um reaquecimento e vimos oportunidade para atuar de forma mais orgânica", diz Felipe Cunha, diretor de incorporação das marcas Living e Vivaz, braços da Cyrela.
 
Em 2006, o grupo criou a Living para atuar com parceiros no segmento econômico. Três anos depois, começou a desenvolver seus próprios projetos. Mas, em 2012, a Cyrela decidiu reposicionar a Living para o médio padrão.
 
Desde então, o grupo vinha atuando no MCMV apenas através das joint ventures com as construtoras Cury e Plano & Plano —detém 50% de cada, mas elas mantêm operações independentes da Cyrela. Segundo Cunha, essas iniciativas devem continuar normalmente.
 
Fábio Cury, presidente da Cury, afirma que "a Vivaz é uma concorrente como qualquer outra do segmento econômico". Para ele, a volta da Cyrela significa que este é um mercado que ainda tem espaço para crescer.
 
Também para a MRV Engenharia, líder absoluta em habitação popular, a entrada de novos concorrentes não preocupa, principalmente em São Paulo, onde, segundo a empresa, a demanda no segmento é superior à capacidade de oferta. A MRV é responsável pelo investimento de R$ 1 bilhão no megaprojeto Grand Reserva Paulista, em Pirituba (zona norte de São Paulo), um bairro planejado em 169 mil metros quadrados e que vai oferecer mais de 7.000 unidades.
 
A Cyrela não definiu a fatia da Vivaz em seu portfólio, mas Cunha diz acreditar que a operação própria no MCMV pode representar de 15% a 20%.
 
A Eztec, que já destinou destinou cinco de seus terrenos, contando o do Brás, para projetos voltados à baixa renda, estima que em 14 meses o segmento econômico deve representar até 30% do seu volume total de lançamentos.
 
Até o fim do ano que vem, estão previstos mais um lançamento em São Paulo e outros em Guarulhos, São Bernardo do Campo e Poá, num VGV (Valor Geral de Vendas) —soma do valor potencial de comercialização de todas as unidades de um empreendimento— estimado de R$ 600 milhões.
 
Novos Negócios - Incorporadoras admitem que uma recuperação do mercado imobiliário deve vir em patamares abaixo daqueles observados no boom de 2011 a 2014.
 
Para Emilio Fugazza, da Eztec, perspectivas de reformas fiscais e bons planos econômicos, aliadas a uma realidade de taxas de juros próximas de mínimas históricas, podem levar o mercado a um novo ciclo de crescimento, porém mais curto.
 
"Foram quatro anos de tanta recessão que existe uma demanda represada gigantesca. Devemos viver um novo ciclo forte, de ao menos dois anos, mas não longo como aquele que começou em 2006 e foi até 2014", diz.
 
Segundo ele, até quatro anos atrás, a Eztec lançava uma média anual de 3.000 unidades. De 2015 em diante, passou para menos de 1.000.
 
"Se pensarmos numa retomada mais agressiva dos lançamentos no segundo semestre deste ano, a contribuição da construção para a economia do país e para o emprego só deve aparecer de verdade a partir do segundo semestre de 2019", acrescenta.
 
Felipe Cunha, da Cyrela, diz que a incorporadora também enxerga uma retomada do mercado mais gradativa. "Não vemos um boom nos próximos ciclos. Vamos ter crescimento sim, mas bem mais suave do que foram alguns anos."
 
A Cyrela tem encabeçado uma série de iniciativas para expandir sua atuação além do negócio central de incorporação.
 
Neste ano, lançou em parceria com o Banco Ourinvest um fundo de investimento imobiliário, voltado sobretudo para imóveis físicos —não necessariamente da Cyrela.
 
A ideia é a incorporadora atuar como uma consultora imobiliária do fundo, explica Paulo Gonçalves, diretor de finanças corporativas e relações com investidores da Cyrela.
 
"A gente discute muito quais são os nossos conhecimentos, onde podemos agregar valor dentro do mercado imobiliário", diz. "A incorporação continua sendo o nosso coração, o carro chefe da empresa. Mas nessa crise que passamos nos últimos anos, percebemos que o mercado imobiliário não vai ser tão grande quanto no passado e buscamos oportunidades de geração de receita com o conhecimento que já temos."
 
Segundo Gonçalves, o fundo captou em uma primeira rodada R$ 53 milhões.
 
Em julho, a incorporadora anunciou a criação da CashMe, fintech do grupo especializada na análise de crédito para quem utiliza um imóvel como garantia.
 
"Vimos que tínhamos dentro de casa o know how para isso e conseguiríamos, com um incremento baixo, entrar nesse novo mercado", diz Juliano Bello, diretor administrativo financeiro da Cyrela.
 
O foco da CashMe é sobretudo o empréstimo ao pequeno e médio empresário, com prazo de financiamento de oito a dez anos e taxas de cerca de 1% ao mês. Segundo Bello, até o final de agosto havia cerca de R$ 70 milhões em análise na plataforma.
 
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